quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A engenharia da boa música




Imaginem um polvo. Agora imaginem que o polvo toca um instrumento em cada um dos seus oito braços. Agora esqueçam essa imagem, porque nem os oito braços do polvo seriam suficientes para tocar os 14 instrumentos presentes em cada concerto de Noiserv – o alter-ego de David Santos, a quem chamam “o homem-orquestra”.

Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, porque “era muito bom a Matemática e a Física, no liceu”. Trabalhou durante dois anos na Siemens e quando lhe propuseram entrar para os quadros da empresa pediu a demissão. Desde 2005 que se dedica, para nossa sorte, em exclusivo à música, nomeadamente ao projecto indie Noiserv. Hoje, a realidade não é a que imaginava enquanto criança, apesar de haver pequenos indícios das ruas por onde a sua vida teria obrigatoriamente que passar. “Queria ser bombeiro, depois queria ser veterinário, queria ser uma série de coisas. Mas os meus pais dizem-me que eu lhes pedia para gravar os videoclipes de música e eu ficava horas e horas a ver as cassetes.” Afinal, as coisas boas devem ser partilhadas e o talento deste lisboeta de 31 anos é grande demais para ficar confinado a um gabinete. 



Noiserv não é uma palavra só por si com um significado especial - se lermos da direita para a esquerda e trocarmos o “R” com o “E” temos a palavra version. E este projecto é uma versão de David Santos que acabou por se tornar ele próprio. Quando inventou o nome, com o objectivo de participar no festival Termómetro Unplugged, para o qual foi seleccionado, chamou-lhe Noiserv 0.0 “a versão 0, portanto não era nada de uma coisa que podia, mais cedo ou mais tarde, ser alguma coisa”. E o nome veio para ficar. Desde então, David tem pisado vários palcos nacionais e internacionais e passou de um homem com uma guitarra, para um homem que faz o quase impossível, principalmente para alguém que, como eu, apenas se lembra de tocar o Hino da Alegria na flauta. Cada instrumento foi sendo adicionado progressivamente, após o primeiro trabalho, até porque “senti que o mesmo seria um pouco vazio se fosse apenas com guitarra. Então, como tinha uma colecção de instrumentos destes pequeninos em casa, comecei a fazer experiências.” David admite que não é fácil conjugar tantas e diferentes sonoridades, para que se chegue a produto final com qualidade, contudo “como são os últimos oito anos da minha vida sempre nisto, para mim, faz-me sentido juntar estes 14. E como são instrumentos peculiares, cada um deles, cada som, na minha cabeça já faz parte de um som global.”

Antes de chegar a este som global, as diferentes etapas de criação de uma música são pensadas e trabalhadas ao pormenor, ou não estivéssemos a falar com um engenheiro. “Sai-me um bocadinho de tudo ao mesmo tempo. Há ali um excerto de 20 ou 30 segundos que surgem ao mesmo tempo e incluem um instrumento, guitarra ou piano, e inclui uma melodia de voz com uma ou duas frases.” Só então é que percebe se a prioridade deve pertencer à melodia ou à letra. Apesar de todas estas etapas terem o que q.b. de motivantes, “não há melhor prazer que tocar ao vivo e perceberes que as pessoas gostam.” E, por esse motivo, considera-se um “sortudo. Não tive nenhuma editora. Foi uma coisa que eu imaginei e que acreditei que seria possível. E só continuo a fazer os discos, porque as pessoas me fazem acreditar mesmo que vale a pena e que gostam de ver as coisas novas que vou fazendo. A reacção tem sido boa o suficiente para que eu nunca desanimasse.” Um sucesso self-made, que foi convidado para criar a banda sonora do documentário “José & Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes, naquela que foi a sua primeira experiência em português. O público reagiu bem a esta nova faceta de um músico de mil talentos e versões, por isso, repetir o feito, “por que não?” Como é directo e pragmático, prefere concentrar-se no presente, até porque “ainda estou muito em cima deste disco. Ainda não percebi o que me vai apetecer fazer a seguir. Mas neste momento é tentar que estas músicas, que me deram um trabalhão enorme a fazer, cheguem ao máximo possível de pessoas e que elas gostem.”

Curiosidades:
- Começou a escrever inglês, por influência de algumas das suas bandas favoritas: Pearl Jam, Soundgarden, Nirvana, Radiohead, Sigur Rós, Explosions in The Sky
- Pertence à banda You Can’t Win, Charlie Brown, mas é a solo que se sente mais confortável: “é como se eu, enquanto pessoa, fosse isto. Esta ideia de estar sozinho, de fechar os olhos enquanto canto é totalmente diferente de fazer com outras pessoas. É especial pela forma.”
- Em 2012, foi escolhido pela Antena3 para representar Portugal no Festival Eurosonic, na Holanda
- Ele realiza alguns dos seus próprios vídeos de música. O single I Was Trying To Sleep When Everybody Wake Up, do último álbum Almost Visible Orchestra, lançado no mês passado, foi montado a partir de 4500 fotografias que tirou na sala de jantar
- Considera que este álbum é o seu melhor disco, “porque acho que sou melhor músico e canto e toco melhor. Tenho mais noção das melodias. É um disco muito mais complicado, no que isso tem de bom.”
- Durante os concertos é acompanhado pela prima Diana Mascarenhas e pelas suas ilustrações – em cada música desenha-se uma história relacionada com o tema
- Desde pequeno que imaginava ter uma melodia criada por si numa caixa de música e o sonho tornou-se realidade, com a canção Once upon a time I thought about having a song in a music boxclique aqui para saber mais.


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