quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Uma coragem que não conhece fronteiras



Mónica Pacheco @ Guiné

Tudo começou com uma epifania aos 16 anos, quando percebeu que a vida só faz sentido“na relação e entrega aos outros”. Desde então, Mónica Pacheco não tem parado. A sua missão de voluntariado passou por Angola e Moçambique e hoje está a trabalhar na Guiné-Bissau, como Técnica Formadora em Gestão e Administração Escolar. Viver para e pelos outros só faz sentido quando o coração é tão grande que quase não nos cabe dentro do peito.

Enquanto Portugal vibrava com a realização do Europeu de Futebol em 2004, Mónica Pacheco partia para a primeira aventura internacional, em Luanda, através do grupo GAS’África, naquela que seria uma viagem para nunca mais voltar. Regressou, fisicamente, mas a essência e a paixão desta gaiense ficaram em África, para onde voltou ano após ano, dando sempre um pouco mais de si àqueles que pouco ou nada têm. A missão em Luanda foi como um despertador numa alma que transborda sorrisos, emoção e bondade. Se antes Momi, como é carinhosamente chamada, quase desmaiava com uma simples ferida, naquela altura aprendeu a ultrapassar os medos, pois viu “as piores coisas do mundo”, mas não continha as lágrimas nos momentos de confrontação com a realidade em que estava. De manhã trabalhava no Hospital Central de Luanda, à tarde num centro de acolhimento de crianças, onde conheceu “meninos sobreviventes e lutadores, rendidos à surpresa de serem amados.” E “era feliz naquela entrega, em tudo que fazia e aprendia naqueles dois meses de missão; vinha sempre com o meu mundo maior, com o coração mais dorido, os olhos molhados, mas um contentamento que as palavras ainda não conheciam - e não conhecem.” Confessa que “nunca mais amei nem me entreguei de forma tão autêntica, tão genuína, tão inteira como na minha primeira missão em Luanda. Tinha 20 anos, saída de uma família que me protegia e mimava, consciente dos problemas do mundo, mas longe de os viver e experimentar.” E não foi fácil convencer a família protectora de que a vocação e o chamamento tinham que ser respeitados, mas o receio de que Mónica nunca mais fosse feliz trouxe o apoio que tanto precisava, principalmente quando voltava das missões. Trocou a licenciatura em Sociologia por Serviço Social, “uma aprendizagem muito mais significativa, construtiva” pois o seu objectivo “era trabalhar com as pessoas”. 

 
Mónica com alguns dos amigos que tanto a apoiam
Em 2006, esteve em Lubango, Angola, e contribuiu para a formação de jovens para um grupo de voluntariado local e para a criação e dinamização de uma sala infantil no hospital Pediátrico do Lubango. Nos dois Verões seguintes, partiu para Maxixe, Moçambique e trabalhou num centro de crianças, na formação pedagógica de professores, no desenvolvimento de competências pessoais e sociais com os reclusos da Cadeia da Maxixe e na formação e dinamização de um grupo de voluntariado com jovens locais, que assegurava depois o trabalho na cadeia durante o resto do ano. Actualmente, e desde Setembro de 2011, encontra-se na Guiné-Bissau, estando o regresso a Portugal previsto para daqui a um mês, naquela que antecipa ser a “partida mais difícil, mais corajosa. E mais audaciosa, também. Readaptar-me, estar inteira, saber integrar no meu dia-a-dia tudo o que tenho aprendido aqui.”

Durante este percurso de aprendizagem e entrega, Mónica destaca alguns momentos marcantes, como o regresso a Luanda em 2006, com todas as crianças do centro de acolhimento a esperá-la, e aos restantes elementos da equipa, no aeroporto, com sorrisos desnorteantes, beijos e abraços que a fizeram esquecer da existência do resto do mundo. “Sentamo-nos no refeitório rodeadas de meninos que choravam connosco a alegria deste reencontro, como se o facto de nós termos voltado fosse a prova do quanto gostávamos deles, do quanto eles eram importantes para nós. Lembro-me de nesse dia não me incomodarem as baratas que passeavam na mesa, de ninguém parar de chorar e rir, abraçar mil vezes e outras mil mais.” Pelo meio não se esquece do primeiro dia na cadeia da Maxixe, em Moçambique; a primeira capela e famílias que visitou no mato; o regresso às escolas onde viu as professoras colocarem em prática o que lhes tinha ensinado; as aulas com as crianças do centro de acolhimento em Luanda; e o menino Mateus “que queria ouvir a mesma história quando eu não me lembrava de mais nenhuma só para que eu continuasse a falar com ele”. Histórias, momentos, recordações de uma abençoada de espírito, bafejada pela alegria e coragem que muitos nem sequer sabem que é possível ter. O mais difícil são sempre as despedidas e conseguir “voltar inteira. Este mundo pequenino às vezes é demasiado grande, e nós tão perto, nesta mesma bola, às vezes estamos demasiado longe.”

O futuro de Mónica, ainda que incerto, é cheio de planos. Entre voltar a estudar, encontrar trabalho, maturar alguns projectos na área da escrita e educação, o que não pode faltar é o voluntariado, de preferência com as crianças guineenses no hospital S. João, no Porto, dada a barreira linguística. “Depois, continuará em mim a eterna inquietude casa-mundo. Sei que há uma sede de mundo que nunca estará saciada, mas o meu coração também me pede casa.”


Mónica com o irmão João

A maior recompensa
Chama-se João, tem 13 anos, é “o menino mais bonito deste mundo” e foi adoptado pela família de Mónica. Perderam-se de amores por uma criança pequenina do Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen, em Luanda, em 2004 e, um ano depois, com a ajuda de várias pessoas e entidades, João entrou num avião com destino a Portugal, onde o esperava a família à qual parece sempre ter pertencido. Apesar deste “menino” de olhar cativante “tentar equilibrar dois mundos dentro dele”, hoje “está super bem inserido em todos os contextos e foi muitíssimo bem acolhido pela família e pelos amigos, que embarcaram connosco nesta aventura.”


Blog “Utopia na palma da mão” – onde Mónica partilha pensamentos e aventuras

3 comentários:

  1. Este é o retrato fiel da Momi que partiu um dia connosco para a Noruega. Tivemos muita sorte, sorte por poder partilhar as nossas inseguranças, os nossos medos e até as nossas saudades de casa.
    Eu tenho, e tenho a certeza de que os outros também, muitas saudades.
    Um beijinho grande e um xi-coração apertadinho
    Margarida

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    1. Muiiiiitas saudades, minha querida! Muiiitas vezes!
      E sorte tive eu, tanta, de partilhar convosco uma aventura tão bonita!
      Xi- coração apertado! Estamos juntas*

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  2. Olá Momi, que história bonita. Estou num momento da minha vida em que quero muito fazer vokuntariado. Sou professora de teatro e vivo em Inglaterra, achas que me podiad dar algumas dicas de associacoes em mocambique e guine que eu pudesse contatar?

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