Imaginem um polvo. Agora
imaginem que o polvo toca um instrumento em cada um dos seus oito braços. Agora
esqueçam essa imagem, porque nem os oito braços do polvo seriam suficientes
para tocar os 14 instrumentos presentes em cada concerto de Noiserv – o
alter-ego de David Santos, a quem chamam “o homem-orquestra”.
Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, no
Instituto Superior Técnico, em Lisboa, porque “era muito bom a Matemática e a
Física, no liceu”. Trabalhou durante dois anos na Siemens e quando lhe
propuseram entrar para os quadros da empresa pediu a demissão. Desde 2005 que
se dedica, para nossa sorte, em exclusivo à música, nomeadamente ao projecto indie Noiserv. Hoje, a realidade não é a
que imaginava enquanto criança, apesar de haver pequenos indícios das ruas por
onde a sua vida teria obrigatoriamente que passar. “Queria ser bombeiro, depois
queria ser veterinário, queria ser uma série de coisas. Mas os meus pais
dizem-me que eu lhes pedia para gravar os videoclipes de música e eu ficava
horas e horas a ver as cassetes.” Afinal, as coisas boas devem ser partilhadas
e o talento deste lisboeta de 31 anos é grande demais para ficar confinado a um
gabinete.
Noiserv não é uma palavra só por si com um significado especial - se
lermos da direita para a esquerda e trocarmos o “R” com o “E” temos a palavra version. E este projecto é uma versão de
David Santos que acabou por se tornar ele próprio. Quando inventou o nome, com
o objectivo de participar no festival Termómetro
Unplugged, para o qual foi seleccionado, chamou-lhe Noiserv 0.0 “a versão
0, portanto não era nada de uma coisa que podia, mais cedo ou mais tarde, ser
alguma coisa”. E o nome veio para ficar. Desde então, David tem pisado vários
palcos nacionais e internacionais e passou de um homem com uma guitarra, para
um homem que faz o quase impossível, principalmente para alguém que, como eu,
apenas se lembra de tocar o Hino da Alegria na flauta. Cada instrumento foi
sendo adicionado progressivamente, após o primeiro trabalho, até porque “senti
que o mesmo seria um pouco vazio se fosse apenas com guitarra. Então, como
tinha uma colecção de instrumentos destes pequeninos em casa, comecei a fazer
experiências.” David admite que não é fácil conjugar tantas e diferentes
sonoridades, para que se chegue a produto final com qualidade, contudo “como
são os últimos oito anos da minha vida sempre nisto, para mim, faz-me sentido
juntar estes 14. E como são instrumentos peculiares, cada um deles, cada som,
na minha cabeça já faz parte de um som global.”
Antes de chegar a este som
global, as diferentes etapas de criação de uma música são pensadas e
trabalhadas ao pormenor, ou não estivéssemos a falar com um engenheiro. “Sai-me
um bocadinho de tudo ao mesmo tempo. Há ali um excerto de 20 ou 30 segundos que
surgem ao mesmo tempo e incluem um instrumento, guitarra ou piano, e inclui uma
melodia de voz com uma ou duas frases.” Só então é que percebe se a prioridade
deve pertencer à melodia ou à letra. Apesar de todas estas etapas terem o que
q.b. de motivantes, “não há melhor prazer que tocar ao vivo e perceberes que as
pessoas gostam.” E, por esse motivo, considera-se um “sortudo. Não tive nenhuma
editora. Foi uma coisa que eu imaginei e que acreditei que seria possível. E só
continuo a fazer os discos, porque as pessoas me fazem acreditar mesmo que vale
a pena e que gostam de ver as coisas novas que vou fazendo. A reacção tem sido
boa o suficiente para que eu nunca desanimasse.” Um sucesso self-made, que foi convidado para criar
a banda sonora do documentário “José & Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes,
naquela que foi a sua primeira experiência em português. O público
reagiu bem a esta nova faceta de um músico de mil talentos e versões, por isso,
repetir o feito, “por que não?” Como é directo e pragmático, prefere
concentrar-se no presente, até porque “ainda estou muito em cima deste disco.
Ainda não percebi o que me vai apetecer fazer a seguir. Mas neste momento é
tentar que estas músicas, que me deram um trabalhão enorme a fazer, cheguem ao
máximo possível de pessoas e que elas gostem.”
Curiosidades:
- Começou a escrever inglês, por influência de algumas das suas
bandas favoritas: Pearl Jam, Soundgarden, Nirvana, Radiohead, Sigur Rós,
Explosions in The Sky
- Pertence à banda You Can’t Win, Charlie Brown, mas é a solo que se
sente mais confortável: “é como se eu, enquanto pessoa, fosse isto. Esta ideia
de estar sozinho, de fechar os olhos enquanto canto é totalmente diferente de
fazer com outras pessoas. É especial pela forma.”
- Em 2012, foi escolhido pela Antena3 para representar Portugal no
Festival Eurosonic, na Holanda
- Ele realiza alguns dos seus próprios vídeos de música. O single I Was Trying To Sleep When Everybody Wake
Up, do último álbum Almost Visible
Orchestra, lançado no mês passado, foi montado a partir de 4500 fotografias
que tirou na sala de jantar
- Considera que este álbum é o seu melhor disco, “porque acho que sou
melhor músico e canto e toco melhor. Tenho mais noção das melodias. É um disco
muito mais complicado, no que isso tem de bom.”
- Durante os concertos é acompanhado pela prima Diana Mascarenhas e
pelas suas ilustrações – em cada música desenha-se uma história relacionada com
o tema
- Desde pequeno que imaginava ter uma melodia criada por si numa caixa
de música e o sonho tornou-se realidade, com a canção Once upon a time I thought about having a song in a music box – clique aqui para saber
mais.
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